quarta-feira, 16 de março de 2011

A teoria do desenvolvimento de Vygotsky


Lev Semenovitch Vygotsky: uma breve história

Vygotsky nasceu em 1896 na Bielorrússia, que depois (em 1917) ficou incorporada à União Soviética, e mais recentemente voltou a ser independente.
Nasceu no mesmo ano que Piaget (coincidência?!), mas viveu muitíssimo menos que este último, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de completar 38 anos.
Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura se torna parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de actividade cerebral. Conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos
complexos dentro da história do indivíduo e da sociedade.
Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. A sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interacção do sujeito com o meio.
Para Vygotsky, o sujeito é interactivo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, a partir de um processo denominado mediação.
Vygotsky trouxe à Psicologia uma nova perspectiva de abordar a infância. Ao lado de colaboradores como Luria, Leontiev e Sakarov, entre outros, apresenta-nos conceitos especificamente orientados para a descrição e a explicação da vida psicológica das crianças. É interessante notar que estes conceitos estão muito próximos da abordagem de Piaget, embora as teorias destes autores se tenham desenvolvido de forma completamente independente – Vygotsky nunca terá contactado com o pensamento de Piager e este último só numa fase tardia do desenvolvimento da sua sua perpectiva construtivista terá tido um conhecimento parcelar da obra do autor. Este facto parece reforçar cada uma das teorias, na medida em que ambas apontam na mesma direcção: há eu valorizar a perspectiva interaccionista no desenvolvimento do ser, tendo em conta que os processos psicológicos da criança têm especificidades que devem ser respeitadas e esclarecidas.
Contudo, a teoria do desenvolvimento de Vygotsky parece mais fluida e mais dinâmica que a teoria piagetiana, muito marcada pelo conceito de estádio que não existe na teoria sócio-histórica de Vygotsky.
Este privilegiou uma abordagem do desenvolvimento que buscava a síntese do homem como ser biológico, histórico e social. Ele sempre considerou o homem inserido na sociedade e, sendo assim, a sua abordagem sempre foi orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sóciohistórica e na interação do ser humano com os outros no espaço social.
A sua abordagem sócio-interacionista buscava caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses explicativas de como as características humanas se formam ao longo da história do indivíduo.
Daqui se depreende que cada indivíduo terá uma história radicalmente diferente da dos outros indivíduos, embora possam existir confluências em resultado do facto dos indivíduos que formam uma sociedade partilharem um mesmo espaço social e uma mesma época em termos históricos.
Vygotsky acredita que as características individuais de cada ser humano, e até mesmo suas atitudes individuais, estão impregnadas de trocas com o colectivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir da sua relação com os outros indivíduos na sociedade.

Desenvolvimento e Aprendizagem: a Zona de Desenvolvimento Proximal
Nesta perspectiva sócio-interacionista, sócio-cultural ou sócio-histórica, de L. Vygotsky, a relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem está ligada ao facto do ser humano viver num meio social, sendo este a alavanca para estes dois processos.
Entenderemos melhor essa relação ao analisarmos o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal.
Como lidar com o desenvolvimento natural da criança e estimulá-lo através da aprendizagem? Como esta pode ser efectuada de modo a contribuir para o desenvolvimento global da criança?
De acordo com Vygotsky o desenvolvimento – principalmente o psicológico/mental (que é promovido pela convivência social, pelo processo de socialização, além das maturações orgânicas) – depende da aprendizagem na medida em que se dá por processos de internalização de conceitos, que são promovidos pela aprendizagem social, principalmente aquela planejada no meio escolar.
Ou seja, para Vygotsky, não é suficiente ter todo o aparato biológico da espécie para realizar uma tarefa se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas que propiciem esta aprendizagem. Não podemos pensar que a criança se vai desenvolver com o tempo, pois esta não tem, por si só, instrumentos para percorrer sozinha o caminho do desenvolvimento, que dependerá das suas aprendizagens mediante as experiências a que foi exposta.
Neste modelo, o sujeito – no caso, a criança – é reconhecida como ser pensante, capaz de vincular a sua acção à representação de mundo que constitui a sua cultura, sendo a escola um espaço e um tempo onde este processo é vivenciado, onde o processo de ensino-aprendizagem envolve directamente a interacção entre sujeitos.
Para Vygotsky a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), é a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança, determinado pela sua capacidade de resolver problemas de forma independente, e o seu nível de desenvolvimento proximal, demarcado pela capacidade de solucionar problemas com a ajuda de um parceiro mais experiente.
São as aprendizagens que ocorrem na ZDP que fazem com que a criança se desenvolva ainda mais, conseguindo superar-se.
É justamente nesta zona de desenvolvimento proximal que a aprendizagem mais significativa vai ocorrer. A função de um educador escolar, por exemplo, seria, então, a de favorecer esta aprendizagem, servindo de mediador entre a criança e o mundo. Como foi destacado anteriormente, é no âmago das
interacções no interior do colectivo, das relações com o outro, que a criança terá condições de construir as suas próprias estruturas psicológicas.
É assim que as crianças, possuindo habilidades parciais, as desenvolvem com a ajuda de parceiros mais habilitados (mediadores) até que tais habilidades passem de parciais a totais. Temos que trabalhar, portanto, com a estimativa das potencialidades da criança, potencialidades estas que, para tornarem-se desenvolvimento efectivo, exigem que o processo de aprendizagem, os mediadores e as ferramentas de aprendizagem estejam integrados num ambiente adequado.
Temos, portanto, uma interacção entre desenvolvimento e aprendizagem, que se dá da seguinte maneira: num contexto cultural, com aparato biológico básico que lhe dá a capacidade para interagir com os outros, o indivíduo desenvolve-se movido por mecanismos de aprendizagem provocados por mediadores.

Pensamento e Linguagem:
A linguagem é, antes de tudo, social.
Portanto, sua função inicial é a comunicação, expressão e compreensão. Essa função comunicativa está estreitamente combinada com o pensamento.
A comunicação é uma espécie de função básica porque permite a interacção social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento.
Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.

A linguagem egocêntrica
A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo do pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função intelectual. Nesta transição, surge a chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala que a criança emite para si mesma, em voz baixa, enquanto está concentrada nalguma actividade. Esta fala, além de acompanhar a actividade infantil, é um instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planear uma resolução para a tarefa durante a actividade na qual a criança está entretida.
A fala egocêntrica constitui uma linguagem para a pessoa mesma, e não uma linguagem social, com funções de comunicação e interacção. Esse “falar sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as ideias e a planejar melhor as acções. É como se a criança precisasse de falar para resolver um problema que, nós adultos, resolveríamos apenas no plano do pensamento / raciocínio.
Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita no livro Pensamento e Linguagem é o facto de que, por volta dos dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem – que até então eram estudados em separado – se fundem, criando uma nova forma de comportamento.
Este momento crucial, quando a linguagem começa a servir o intelecto e os pensamentos começam a oralizar-se – a fase da fala egocêntrica – é marcado pela curiosidade da criança pelas palavras, por perguntas acerca de todas as coisas novas (“o que é isso?”) e pelo enriquecimento do vocabulário.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança progressivamente se abstrai do som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, sem precisar de dizê-las. Aí está a entrar na fase do discurso interior. Se, durante a fase da fala egocêntrica houver alguma deficiência de elementos e processos de interacção social, qualquer factor que aumente o isolamento da criança, iremos perceber que seu discurso egocêntrico aumentará subitamente. Isso é importante para o quotidiano dos educadores, pois a atenção a este aspecto poderá permitir-lhes detectar possíveis deficiências no processo de socialização da criança.

Discurso interior e pensamento
O discurso interior é uma fase posterior em relação à fala egocêntrica. É quando as palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento expresso em palavras.
Já o pensamento propriamente dito é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito com palavras. É algo feito de ideias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para encontrar as palavras certas para exprimir um pensamento.
O pensamento não coincide de forma exacta com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão numa frase ou num discurso. Portanto, podemos concluir que o pensamento não se reflecte na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que permite a transmissão do seu pensamento às outras pessoas.
Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange as nossas inclinações e necessidades, os nossos interesses e impulsos, os nossos afectos e emoções. Tudo isso vai reflectir-se imensamente na nossa fala e no nosso pensamento.
|http://www.casa.bio.br/geografia/material2007/Vygotsky/Artigo-Vygotsky-e-o-desenvolvimento-humano.pdf


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Materiais complementares:
Documentário: “Vygotsky” da autoria de Marta Kohl
Link para o documentário:
http://estudarpsicologianaweb.blogspot.com/2010/04/introducao-vygotsky.html

Texto retirado do documentário:
“Segundo Vygotsky, o mundo psíquico, o funcionamento psicológico, não está pronto previamente, não é inato, não nasce com as pessoas, mas também não é recebido pelas pessoas como um pacote pronto do meio ambiente. Vygotsky fala em quatro entradas de desenvolvimento que, juntas, caracterizariam o funcionamento psicológico do ser humano. Uma é a Filogénese, que é a história da espécie humana; outra é a Ontogénese, que é a história do indivíduo, membro da espécie; outra a Sociogénese, que é a história cultural, do meio cultural no qual o sujeito está inserido; e a Microgénese, que é o aspecto mais microscópico do desenvolvimento.”
|Marta Kohl

Explicitação dos conceitos:

• Filogénese - A filogénese estuda a história da evolução animal/humana, nomeadamente a constituição dos seres humanos como sujeitos cognitivos. Filogenia (ou filogénese) (grego: phylon = tribo, raça e genetikos = relativo à génese = origem) é o termo comumente utilizado para hipóteses de relações evolutivas de um grupo de organismos, isto é, determinar as relações ancestrais entre espécies conhecidas (ambas as que vivem e as extintas). Todas as espécies animais têm uma história própria e essa história da espécie define limites e possibilidades de funcionamento psicológico.
• Ontogénese - descreve a origem e o desenvolvimento de um organismo desde a fecundação do óvulo até à morte. Significa o desenvolvimento do ser, de um indivíduo, de uma determinada espécie. Em cada espécie, o ser tem um caminho de desenvolvimento. Nasce, desenvolve-se, reproduz-se, morre, num ritmo determinado de desenvolvimento, com uma certa sequência etc.
• Sociogénese – é a história cultural, que é a história da cultura onde o sujeito está inserido, e das formas de funcionamento cultural que interferem no funcionamento psicológico, que definem de certa forma o funcionamento psicológico. A significação pela cultura tem dois aspectos. Um, que a cultura funciona como um alargador das potencialidades humanas. E um outro aspecto da história cultural é como cada cultura organiza o desenvolvimento de uma forma diferente.
• Microgénese - diz respeito ao facto de que cada fenómeno psicológico tem a sua própria história. Por isto é micro no sentido, não necessariamente de pequeno, mas de que ela é a porta aberta dentro da teoria para o não determinismo. A microgénese faz com que olhemos como cada pequeno fenómeno tem a sua história, e como ninguém tem uma história igual à de outra pessoa, é aí que vai aparecer a construção da singularidade de cada pessoa e daí a heterogeneidade (a diferença) entre os seres humanos.
| Profª Esp. Izanny Brito, http://d.yimg.com/kq/groups/23519922/869911070/name/Aula03_perfil+do+aluno+eja.ppt

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